terça-feira, 13 de abril de 2010

Gralhas Macumbeiras - As maiores da Península Ibérica

Missiva sentida de um cidadão, mas de quando ser-se cidadão tinha algum peso, dirigida a (escolha uma hipótese):
Presidente da Câmara Municipal de Almada
Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade
Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa de Caparica
Polícia Marítima / Guarda Florestal

Seria, no mínimo, estranho verificar que, num mundo onde a descentralização já provou ser, mais que essencial, incontornável para o desenvolvimento de qualquer país (excluem-se, aqui, claro, os países ditos de Terceiro Mundo), Almada é um concelho onde, em pleno século XXI, as suas franjas são manifestamente descuradas em proveito da cidade-sede. Almada tem metro, Almada não aceita que o poder central avance com o projecto para as antigas instalações da Lisnave, Almada investe em outdoors que "aconselhem" os seus munícipes a pintar os prédios para que, depois de concluído o Programa Polis para a Costa de Caparica, os "estrangeiros" que visitam as praias possam não ficar chocados com o aspecto do trajecto, Almada gasta milhões de euros para que a melhor engenharia do ambiente possa conceber, de raiz, um "pulmão" para a cidade (ou apenas para que os visitantes do Fórum Almada possam "lavar as vistas" no Parque da Paz) e, simultaneamente, condena a Mata dos Medos, que integra a Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa de Caparica, nos seus limites concelhios, ao abate de centenas de pinheiros mansos para a construção de uma estrada que servirá...a quem vem de fora. Ironicamente, esses que de fora vêm visitam o concelho não porque tem um metro à superfície ou um Parque da Paz, mas sim porque sabem que, ali, quase no concelho do Seixal (e, neste momento, os munícipes Almadenses têm TODO e MAIS ALGUM direito de acreditar que tal mudança de limites traria mais e melhores vantagens), existe uma mancha florestal inigualável num raio de 50 quilómetros de Lisboa. Que é estranhamente (ou não) ignorada pelos poderes a quem compete. Se há vigilância, ou é pouca ou levada a cabo por incompetentes. E a incompetência sai cara onde quer que grasse. Cicloturistas e caminhantes, sim. Motociclistas e amantes de TT não. Sabemos que a maioria são filhos dos mais abastados. Mas há limites ao favoritismo que resulta em facilitismo. Da mesma forma como se limitam as populações de estorninhos ou pombos em aeroportos, haja quem desenvolva os sons da floresta ao seu espaço. E se o naturismo praticado nas areias a sul da Fonte da Telha poderá ser um sintoma positivo, atestando o seu isolamento pela floresta, a muitos custará saber que o guia Spartkus concede uma página à Mata dos Medos. Não se pense que existe aqui algum preconceito. Há, apenas, um especial prazer em levar os filhos a passear na floresta e, no entanto, alguma dificuldade em responder como "o que estão aqueles dois senhores a fazer?" Até nas cidades a prostituição é feita a coberto da noite. O desplante resulta da demasiada permissividade. Perservativos não são, infelizmente, o único lixo. E o entulho rivaliza com a esteva. E essa é já rara.
Órgãos competentes devidamente vigilantes nunca permitiriam que as acácias (ou mimosas, como lhes chamam os populares) houvessem roubado, ao longo dos anos, cada vez mais espaço às espécies autócnes. O que não dariam tantos dos países mediterrânios para tal concentração de pinheiro manso, e, poder assim, voltar a ter uma floresta mediterrânia digna de tal epíteto. Nós, pelos vistos, nada daríamos. Mas há quem dê a mais. Local de arribação de veraneantes, calha bem vir à Margem Sul abandonar o cão que se tornou, entretanto, grande demais e incomodará nas férias que se avizinham. Hoje há, na Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa de Caparica, pelos menos, três matinhas de cães domésticos que, por via do infortúnio, se tornaram selvagens, agressivos. Claro que os mesmos não representam perigo para quem passa, de moto4, a toda a brida, abrindo novos caminhos a cada semana. As famílias, porém, que caminham a pé, respeitando ciclos, fauna e flora, têm o que recear. É, no mínimo, irónico. Ou não, tendo em conta a incúria. A mesma que faz com que seja cada vez mais difícil avistar raposas, furões, texugos, ouriços, lontras, répteis, águias, mochos, falcões peneireiros, garças cinzentas, patos reais, corvos marinhos, corujas das torres, guarda rios. As gralhas, essas, são bem visíveis e audíveis durante todo o dia. E, consta, são as maiores da Península Ibérica. Será por terem, à sua disposição, tanta variedade disponibilizada pelas inúmeras "macumbas" ao longo do pinhal? Até já um bode sacrificado se encontrou, rodeado de fruta e flores, por deus (iemanjá, caipora, saci ou o que seja).
Tudo isto acontece porque há uma espécie de dolência (para não lhe chamar completa inacção) que não nos permite falar dos tais países do dito Terceiro Mundo sem nos olharmos ao espelho. Até nesses lugares, alguém fez alguma coisa quanto à caça furtiva.
Aqui? Afixam-se cartazes como "Pinte o seu prédio. Evite as penalizações", não vá o veraneante ficar horrorizado com a cor deslavada dos prédios. Uma das manchas florestais mais ricas de Portugal? O que é que isso interessa?


Ass:Um cidadão preocupado e, como tal, de identidade omissa, sabendo muito bem para que se mexem as autoridades.

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